Partiu normalizar a honestidade emocional no trabalho?
Cíntia Santana, sócia e CGO da PYXYS, conta estratégias para combater a desumanização no mercado de trabalho e criar times com mais honestidade emocional.
Já perdi as contas de quantas vezes tive vontade de chorar no trabalho e… chorei.
Diante de pouca ou muita gente. Todos portadores de lágrimas – e de emoções – como eu.
Há poucos dias, por exemplo, chorei de saudade do meu pai, na data em que se completaram seis anos desde que ele partiu.
De forma consciente, nos últimos tempos, fui abandonando o medo de parecer frágil. Sensível demais.
Passei a levar comigo para o trabalho os sentimentos que me compõem. Visto minha humanidade e vou.
Tenho aprendido muito com meus filhos sobre a beleza e a complexidade das emoções. Sobre a importância de nomeá-las e de ouvir o que nos dizem.
Chorar é errado? Ruim? Inadequado?
Se algo toca a nossa alma e ativa o botão “transbordar”, por que não deixar fluir aquilo que nos sensibilizou?
Acontece que, no trabalho, o choro, assim como a voz suave, a vulnerabilidade ou até a empatia, são características muitas vezes tidas como femininas. Vulgo fracas, em macho-alfês.
É “só” eu me emocionar que grita minha voz machista interna, desesperada e implacável: “Vai mesmo se emocionar diante dessas pessoas? Que ridículo. Pra quê se expor? Vão perder qualquer respeito”.
Você tem uma voz machista desesperada e implacável aí dentro?
Sabia que ela é desesperada porque pode morrer, se começarmos a tomar consciência do quão danosa ela é? Para nós. Para quem nos cerca. Para a sociedade.
E ela é implacável porque foi ensinada assim. E validada. Por gerações e gerações. Porque mulheres e homens como você e eu, conscientemente ou não, aceitamos e reproduzimos uma cultura opressora, silenciadora, abusadora, subjugadora.
Chorar é humano. É força. Potência. Ajuda a pôr pra fora o que nos intoxica. Liberta.
Precisamos dizer isso a meninos e meninas. De todas as idades. Não forçar ninguém a engolir o choro como mandaram a gente fazer.
Recentemente, durante um encontro virtual do time, muitos me viram derreter de emoção diante de depoimentos espontâneos da galera sobre o tema que estava em pauta.
Aquela minha voz interna gritou? Opa! “Feche essa câmera, seu choro incomoda! Nunca mais vão te ver da mesma forma…”.
Felizmente, várias das pessoas presentes mudaram, mesmo, sua visão sobre mim. E talvez até sobre si mesmas, gosto de pensar. Algo como: “Se uma das responsáveis pelo rolê está ali, vulnerável, e se sentindo bem por isso, talvez eu também possa ser quem sou”.
Fui surpreendida outro dia com uma carta de uma dessas pessoas que já me viu emocionada. Nela, um relato profundo sobre a vida nua e crua de alguém que escolheu se vulnerabilizar. Levou mais de um ano para sentir segurança em partilhar sua história e expôr seu coração enorme. Disse, ao final, que o mundo que escolhi criar permitiu que realizasse um sonho. Será que chorei?
Humanidade é um dos valores mais presentes na PYXYS.
Também temos compromisso, honestidade, coragem e superação como pilares. Mas ser humano é pré-requisito para trabalhar aqui. Não nos interessam os robôs.
Isso se potencializou muito quando adotamos o “check-in” nas rotinas diárias. Ele é parte da metodologia de autogestão e incentiva que toda reunião comece “medindo a temperatura” dos participantes.
“Hoje chego preocupado com minha mãe, que está esperando resultados de exames complicados”.
“Chego tranquila, consegui meditar e isso sempre me ajuda a começar bem o dia”.
“Levei meu cachorro na praia logo cedo, tô energizada”.
“Chego irritado, tive insônia e dormi menos do que precisava”.
E assim vamos nos sensibilizando. Uns aos outros. Talvez não seja o melhor dia para discutir determinado assunto. Ou, ainda, um ótimo momento para acelerar decisões.
Não raro rolam lágrimas em nossa reunião semanal de sócios, também. Certa vez, minha madrugada havia sido emblemática: gripe familiar nível hard, pesadelo infantil, privação de sono acumulada, dor de cabeça. Somatória suficiente para me afetar naquela manhã. Desabei no check-in. O choro era cansaço, dor, frustração. Recebi acolhimento.
Primeiro, porque sou humana. Segundo, porque convivo com humanos, e diariamente nos lembramos de que, apesar dos perrengues e desafios, escolhemos estar juntos por acreditar em quem somos, coletivamente. Terceiro, porque se eu não conseguir estar inteira no trabalho, sendo quem sou (ou estando quem estou), talvez ele tenha deixado de fazer sentido e eu não percebi.
É certo, sim, que a enorme maioria da população não tem escolha de estar num ambiente onde “tá tudo bem chorar”. A trabalhadora chora porque não tem como botar comida na mesa pras crianças, o trabalhador chora porque mataram seu caçula no tiroteio da comunidade. “Não dá tempo de chorar, porr@. Não quer o trampo, tem quem queira”.
Longe de mim parecer insensível a esses contextos. Por eles, inclusive, e ciente do meu privilégio, também choro.
Não é feio chorar. Não é descontrole emocional. Não é coisa de “mulherzinha”.
O choro é uma habilidade natural humana. Um fenômeno biológico complexo. Importante regulador de nosso equilíbrio emocional e físico.
O choro explicita fisicamente algum tipo de transbordamento emocional. Precisamos ser honestos primeiro conosco mesmos. Depois, com os colegas que nos cercam e dependem da performance coletiva para que tudo dê certo, no fim do dia.
É fundamental encontrar formas de lidar com nossas emoções. Muitas vezes, precisaremos de ajuda profissional. Muito autoconhecimento.
Mas o primeiro passo, o primeirinho, pois sem ele mais nada anda, é reconhecer que as emoções nos habitam de forma complexa.
Somos seres líquidos. Nossos hormônios oscilam e nos afetam. O mundo que nos cerca é regido por ciclos: dia e noite, estações do ano, maré alta e baixa, vida e morte.
Não sabe reagir diante da emoção alheia? Mande abraços, música boa, bolo de fubá, figurinhas de WhatsApp, jobs finalizados, relatórios antes do prazo, um PIX surpresa, sei lá.
Apenas sugiro que não diga “não chore”. A adultos. A crianças. A você mesmo.