Democracia, substantivo feminino
Carolina Artigas, head do Jurídico da PYXYS, reflete sobre a importância da representatividade feminina na política e sobre medidas para combater as desigualdades sociais.
Quando pensamos na palavra democracia, talvez não tenhamos a total extensão de seu significado.
Cito, no título deste texto, a primeira definição e, para mim, a mais importante. Democracia é uma palavra de origem grega: “demos” significa “povo” e “kratos” significa poder. Ou seja, uma organização da sociedade que se orienta pelo exercício do poder pelas pessoas que, através de eleições, escolhem seus representantes para que defendam os interesses dessa nação que exerce sua soberania sobre o local onde vivem e como se estabelecem.
Falar sobre política deveria ser algo natural na mesa de qualquer refeição. A palavra política, que também é um substantivo feminino, significa “a arte ou a ciência de governar”. Também deriva de uma palavra grega. Na essência, deveria ser a partir dela que o uso da arte de governar, da conversação e da negociação fossem essenciais para que pendências entre diversos interesses sejam, se não equacionadas, pelo menos equiparados, tendo como objetivo benefícios comuns e recursos necessários para o entendimento da maioria.
Falar sobre o resgate do sentido da democracia não precisa ser chato para aqueles que não gostam de aulas de história. A democracia está no nosso dia a dia, possibilitando que não vivamos numa organização societária onde há uma única voz que governa a nação, nem totalitária, nem ditatorial, nem monárquica. Vivemos em uma sociedade democrática, onde são as pessoas que formam, através do voto, as casas legislativas e executivas que criarão leis e executarão essas leis conforme a necessidade das pessoas que vivem naquele espaço histórico-geográfico.
Destaco no título uma classificação da nossa gramática que determina, ou evidencia a essência da democracia. E ela é feminina. Quem diria, meus caros e caras. Feminina. Que é próprio ou relativo à mulher.
A mulher, que só adquiriu a possibilidade de votar e ser votada em 1932. A mulher, que representa 53% do eleitorado brasileiro hoje. Imaginem só, vocês, que, numa projeção minimalista minha, o destino do Brasil ficou por mais de 400 anos (a primeira eleição no Brasil aconteceu em 1532, em São Vicente) sendo definido por menos da metade dos habitantes desta nação.
Esta mulher, que ainda têm salários inferiores aos homens no mesmo cargo. Logicamente, nos cenários do eleitorado isso não seria diferente. Somos a minoria nas Câmaras, nas Assembléias Legislativas, nos Cargos Executivos. Como, então, falar de igualdade feminina? A mulher, que carrega o peso de uma história ocidental de escravização e submissão, silenciada, violentada, invisibilizada, diminuída, inferiorizada. Dolorido, né? Só existe feminicídio por um motivo e ele nunca será penoso o suficiente.
Tem uma frase de Aristóteles que diz “O princípio da igualdade é tratar com igualdade os iguais e com desigualdade os desiguais na medida da sua desigualdade”. Enquanto não houver medidas excepcionais para mitigar essa desigualdade entre homens e mulheres, ainda viveremos numa sociedade insatisfatória, insuficiente, deficitária.
Como fazer isso?
Não tem uma resposta certa. Mas eu prefiro me apropriar de que só consigo fazer alguma coisa começando por mim. É no meu círculo de convivência, no meu ambiente mais próximo onde eu posso ser ouvida – e considerada – como mulher que sou. É ensinando minha filha que ela pode brincar do que ela quiser, como jogar bola de vestido de princesa. É ensinar a ela que uma relação de afeto não tem nada a ver com qualquer símbolo ou movimento de violência. Não consigo mudar o mundo todo. Mas posso e devo começar no lugar – físico e emocional – que eu ocupo neste mundo.
Não é dando o mesmo tamanho de banquinho pras crianças assistirem o jogo do lado de fora do campo. É entender qual criança que precisa do banco maior e qual criança precisa, inclusive, estar dentro de campo. Igualdade não pressupõe iguais oportunidades. Pressupõe, sim, oportunidades desiguais na medida de cada desigualdade. Se é preciso ter mais vagas para mulheres, que seja assim, então, também, para ocupar os cargos em que forem representar o povo, com seus anseios, necessidades, vozes, espaços que, antes, foram suprimidos.
A representatividade das mulheres têm ganhado mais espaços mas, reafirmo, ainda são insuficientes. Um homem que leva seu filho a um órgão judicial para cumprir alguma diligência é ovacionado nas redes sociais. A mulher que faz uma audiência online é repreendida pelo magistrado dizendo que “tem que colocar a criança no local adequado porque tira a concentração”. Até quando deixaremos que nos sujeitem, pelo simples fato de sermos mulheres?
Gosto bastante de um filme lançado em 2011 chamado “Histórias Cruzadas” que tem estrelas como Viola Davis no elenco. Baseado em uma história real, retrata a jornada de uma mulher, branca, da alta sociedade, que é jornalista nos anos 60 numa cidade pequena dos Estados Unidos, e que resolve tomar o lugar que é, de fato e de direito, das mulheres. Principalmente, conta também histórias das empregadas domésticas negras que deixam suas vidas para cuidar dos filhos das famílias brancas ricas. Com o perdão do spoiler, mas uma das cenas mais impressionantes é quando ela chega na redação do jornal e rádio da época e descobre que quem escreve as colunas femininas são – pasmem – os homens. Ou seja, homens, com pseudônimos de mulheres, dando conselhos amorosos, de vida, de economia do lar, de educação de filhos, para as mulheres.
Se você ficou horrorizado(a), se analisarmos com esse olhar da igualdade e da representatividade, temos homens fazendo leis para “proteger” as mulheres. Isso não soa contraditório? Da mesma forma, em todos os campos, no mercado de trabalho, os cargos de liderança ainda são, em sua maioria, ocupados por homens.
Faça um exercício comigo: imagine uma pessoa que é dona de uma empresa, muito rica e influente. Você imaginou um homem ou uma mulher? Agora imagine uma pessoa limpando a casa e lavando a louça. Você vê um homem ou uma mulher?
Somos condicionados pelos exemplos que vimos, mas também, pelos exemplos que recebemos de “herança” ancestral. Sem nem entrar no tema racial, mas as mulheres que nos antecederam resistiram, e com dor no coração eu digo que muitas delas resistiram caladas porque nem sabiam que poderiam soltar a voz pra gritar.
Para mim, viver é político, um ato de resistência. Eu acredito na educação, no diálogo e na composição. Continuamos a resistir da forma possível que tiver, mas, de preferência, ocupando os lugares que quisermos, seja na empresa ou no Congresso Nacional. Use sua voz, vote em mulheres, escolha mulheres, converse com homens sobre a importância de ter mais mulheres na política e em tantos outros lugares. A democracia só poderá ser o exercício soberano de um povo se esse povo, substantivo masculino, encontrar espaço e representatividade, também, nas mulheres.
E aí, quer mais?
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