Por uma criatividade nômade
Giovanna Flügel, head de Criação da PYXYS, estreia sua coluna no nosso blog com uma reflexão sobre como uma vida nômade inspira a criatividade com novas referências e experiências
Fugir do óbvio, inovar, ser disruptivo: todos esses jargões, dignos do bingo corporativo, falam sobre as habilidades que se exige de qualquer um que trabalhe com criatividade. Só que se torna cada vez mais desafiador fazer tudo isso num maremoto de demandas, sem tempo de respiro e com só a tela do computador como fonte de referências. O que é que realmente se cria, de maneira inovadora e autêntica, seguindo uma rotina esmagadora e sem espaços?
Em 2020 eu sabia, com alguma certeza, que deveria dar um mergulho fora da caixa construída nos meus quase quinze anos de trabalho em agência de publicidade. Era a hora de experimentar outras realidades. Peguei um avião e desci em Bangkok, na Tailândia, onde tive a oportunidade de viver o nomadismo digital e desconstruir conceitos de trabalho e de vida. Foram dois anos vivendo uma vida ao contrário, mergulhada numa cultura diferente, conciliando fusos horários de três continentes diferentes e dependendo apenas do meu computador e internet para fazer o que fosse necessário.
Apesar de tanta ebulição e mudança, o nomadismo abriu a minha percepção criativa, me dando muito mais ferramentas para o meu trabalho do que eu poderia imaginar. Aqui as principais lições de criatividade que o nomadismo me trouxe:
Separar e priorizar tempo de vida
O nomadismo traz uma sensação engraçada de liberdade e autonomia que não experimentamos em outros contextos (ou não tão naturalmente, pelo menos). Estar em outro lugar, que é desconectado fisicamente de onde vem o seu trabalho, te faz pensar sobre o que se faz com o próprio tempo. Escolher e separar espaços de tempo para viver, conhecer, aproveitar e ter experiências… Tudo isso está sob seu controle.
E quanto mais se vive, mais se aprende e mais bagagem se tem para criar coisas novas. Esta liberdade não vem apenas com o nomadismo: o próprio trabalho remoto já traz essa possibilidade. A lição que fica aqui é que quem precisa separar esse tempo é você.
Não ter medo do choque cultural
Ser nômade significou, pra mim, mergulhar profundamente na cultura de outros países, fora da ótica comum de turista. Observar pessoas em outros contextos culturais e compreender o que move o outro nesse outro espaço de existência me fez, em primeiro lugar, conseguir olhar para mim mesma e para os signos que compunham a minha identidade cultural.
Em segundo lugar, me fez refletir sobre as tantas maneiras que o ser humano pode encontrar de resolver seus problemas – desde coisas do dia a dia até a comunicação e organização social. O diferente inspira, areja a cabeça e traz mais possibilidades de pensamento. Aprender sobre pessoas com pessoas é um mergulho criativo que o nomadismo me trouxe e que se tornou parte da minha vida.
Planos dão errado (e tudo bem)
Eu me preparei durante um ano para ser nômade – entre vender coisas, juntar dinheiro, planejar burocracias – e, assim que cheguei no meu destino, todo o plano foi por água abaixo. Ninguém sonhava com uma pandemia, com aeroportos fechados e nem com as mudanças de comportamento que assolaram o mundo todo.
As lições mais valiosas que aprendi nesse período foram reconfigurar os próximos passos, agir rapidamente e praticar o desapego com o controle. Apesar do desespero inicial, a realidade no fim das contas foi muito melhor que todo o planejamento minucioso que havia sido feito.
Vivi coisas que me ensinaram muito e que vão me inspirar pelo resto da vida. Os planos são bons para nos guiar, mas aproveitar o que a vida oferece e abraçar o desconhecido são maneiras de viver além da nossa imaginação. E tudo isso nos torna mais criativos e adaptáveis.
Para “fugir do óbvio”, não é necessário ir para o outro lado do mundo. Basta sair um pouco do quentinho e confortável daquilo que é familiar. O nomadismo me forçou a viver o diferente. Não existia escolha de conforto e isso me trouxe toda essa experiência rica de vida. Mas mergulhar em outras realidades, olhar e aprender com aqueles à sua volta e utilizar intencionalmente o tempo para viver o diferente são escolhas facilmente tomadas por qualquer um, em qualquer lugar.